28.6.13

O que eu respeito


Eu respeito as gerações que lutaram contra a Ditadura, promoveram o Diretas Já e o Fora Collor. De verdade. Mas eu acho que vocês não foram longe. Eu acho que vocês não derrotaram tudo o que a Ditadura representava, infelizmente.

O sistema pode ter retornado para a eleição direta, porém a herança ditatorial não foi derrubada. Nós temos uma polícia militarizada, repressora e corrupta que sempre foi orientada para tratar favela como se fosse caso de higienização social e está demonstrando finalmente como age para a classe média que protesta nas ruas agora. Nós ainda somos dominados pelas grandes empresas e veículos de mídia que foram financiados na Ditadura Militar como a Globo, que cresceram apoiando e sendo apoiados pelo regime. Nós tivemos a educação pública destroçada e um lobby de ensino privado reforçado com políticos que obtém lucro das grandes empresas de cursinhos famosos. Temos uma cultura em que não se deve falar de política - afinal, a produção artística foi censurada durante anos a respeito desse mesmíssimo assunto. Também ficamos com um sistema de influências e status consagrados. Anistiamos os repressores e, com isso, naturalizamos a impunidade. As Diretas Já não promoveram uma reforma política necessária para o país já lá naquela época e o Fora Collor não expulsou as famílias corruptas que fazem dos cargos políticos fonte de poder e riqueza desde as capitanias hereditárias.

Se vocês se iludiram, crendo que foram vitoriosos na época, foi única e exclusivamente porque existe uma imprensa que se interessou em pintar o quadro dessa forma. Vocês gostaram do que foi retratado e se acomodaram, educando mais de uma geração politicamente inútil.

E isso, eu já não respeito.
22.6.13

Dos vômitos políticos

1) Não, nós não saímos do facebook. Isso explica a absurda propagação de demandas vazias, como aquelas correntes que as pessoas não consultam sequer no google antes de compartilhar no mural. Não compartilhe o que você não sabe se é verdade. Não curta qualquer grito de guerra sem primeiro refletir se te representa. Não vá em manifestação para tirar foto. Não se fantasie de torcida da seleção, nem fique entoando o hino como um militar. Não vá achando que é "festa da democracia". Esse foi um termo que inventaram para te fazer acreditar que não existe uma luta de poder aqui. Não pense que é alegre e pacífico. Frequentemente vai ser violento. A Polícia é instruída para não aceitar disputa de espaço e ameaça ao poder. A Polícia é instruída para proteger mais o dito 'patrimônio público' do que a vida de qualquer cidadão. Crimes a propriedade são mais punidos que homicídios. A Polícia não é defensora de ninguém e nunca foi. A Polícia é a mão pobre e armada do Estado que só se opõe a quem ele acredita ser conveniente. Se você não está preparado para correr riscos e o medo te paralisa, você ainda não acordou para a necessidade real. A periferia nunca conseguiu sequer sonhar que dirá cochilar, por causa da truculência policial, prisões arbitrárias e descaso. Não seja leviano e prepotente, achando que a mobilização tardia por modinha é suficiente para te dar experiência política. Oportunista é você, que só se manifesta em grande número como manada. Militância é um processo a longo prazo. Se você ainda não aprendeu a distinguir os eixos políticos de direita e esquerda, vá para casa ler. A disputa precisa de pessoas muito bem armadas de informação. Caso contrário, vira carnaval, quebra-quebra e levante fascista. 

2) Se você é médico e não se dispõe a trabalhar no interior pobre do Brasil, recebendo mais do que o salário padrão dos centros urbanos, você ainda não entendeu nada. Igual a um professor que faz da sala de aula um palco para ditar a sua opinião sobre tudo e não abre diálogo ou troca, usando alunos como marionetes do seu pensamento; Igual a um advogado que defende os amigos que fazem besteira e permite a impunidade e a injustiça contra os mais pobres; Igual a um político que só pensa em aumentar seu patrimônio por troca de favores, ignorando a demanda dos eleitores. Posso dar exemplos eternamente. Todos esses estão fazendo a mesmíssima coisa: utilizando a ocupação apenas para satisfazer os seus interesses, como se não tivessem uma responsabilidade a cumprir com a sociedade em geral. Se você não entende a realidade social desse país porque nunca pisou no interior do Nordeste para conversar com as pessoas dali, faça isso agora. A visão de trabalho tem que estar além da mera aquisição de dinheiro para construir a sua vidinha. Todo mundo acha que a sua vida é muito importante e se acha muito especial, como se devesse ser poupado de todos os inconvenientes de um país pobre simplesmente pela sorte de ter nascido na classe média de um centro urbano desenvolvido. É muito fácil dizer que "ama seu país" quando ele prospera e ganha um jogo, sem nunca especificar de que partezinha privilegiada desse país você se refere. É muito fácil defender os seus interesses, as suas demandas, sem nunca se questionar se essas mesmas são o melhor para todo mundo e sem ter a menor empatia com quem nunca teve os mesmos privilégios que você teve. 

3) Eu não quero ter vergonha de me assumir de esquerda, simplesmente porque todo mundo acha super bacana ser egoísta e julga otário quem pensa no próximo. Eu não quero ter medo de me assumir de esquerda, simplesmente porque não tenho fórmula pronta e sou cheia de contradições. Dialética: se você não acredita cem por cento na mobilização popular (porque tudo acaba indo pro lado mais bárbaro e desorientado) e ao mesmo tempo não acredita que uma elite esclarecida deveria guiar todo mundo (porque é muita pretensão), o que fazer? Não sei.
31.5.13

bulimia emocional


Eu vomito ao redor as palavras que há muito precisavam ser ditas. Mas parece físico, de tão enjoada que fico. Meio zonza resolvo ir dormir. Acordo só quatro horas depois suando frio. Acesso o horóscopo não lido que chegou no e-mail ontem, e ele aconselha:

Mercúrio na XII casa: Tornar as coisas claras. É provável que seja usado contra você aquilo que não disse. Por conseguinte, é fundamental dizer tudo que precisa ser dito.
Só termina no início de Agosto. Calafrios e suspiros. É bom e ruim ao mesmo tempo. Eu quero parar de falar de mim, mas é o único ponto de vista ao qual tenho acesso. Odeio jogar em first person mode, falta clareza para ver o contexto em volta de mim.

Vomitar sempre deixa a garganta queimando e um vazio por dentro. 
Mas passa.
1.5.13

o futuro

"You've spent far too much time holding things together that don't belong together. Today they come undone and you let them". -- Miranda July, The Future 
Eu nunca me preocupei com as minhas fraquezas, porque eu sempre encontrei formas de contorná-las. Eu nunca percebi com nitidez o que atrapalhava meu crescimento e suas consequências  Preferia olhar pro lado, reclamar do outro, da situação, inventar desculpas.

Mas dias atrás, eu tive uma epifania. Eu fui obrigada a me esforçar além do que o de sempre. Eu fiquei completamente sozinha. Eu não consegui pedir ajuda porque não queria incomodar ninguém. Eu morri de medo de descobrirem que eu era fraca e estava perdida.

Eu finalmente descobri que querer agradar todo mundo me faz ficar no meu canto para não correr o risco de desagradar e que, ironicamente, a impressão que causo é a de alguém antipático e indisposto a fazer amizades. Por azar ou sorte, a única pessoa na qual eu poderia parasitar em troca de ajuda, é a pior pessoa do mundo para isso, nesse momento.

Então reparei: eu não sei me virar. Nem correr atrás de nada, me desdobrar em mil, flexibilizar. Eu desisto fácil, porque nunca acho que vale a pena. E nunca vou saber se vale a pena, porque não vou até lá.


No primeiro dia, eu terminei chorando sentada no gramado em frente ao prédio, tentando ser invisível. Eu me senti derrotada. E tive vontade de cancelar tudo. Mas não me permiti. Nos dias seguintes, eu me agarrei a tudo que tenho. Eu aprendi a ir e a voltar do fim do mundo -- sozinha. Achei o que precisava -- sem ajuda. Me neguei a perder sem lutar.

Eu ainda não consegui falar direito com os outros por medo. Mas com algum empenho, vou conseguir. E mesmo que eu não fique por ali a longo prazo, serei grata por essa situação me despertar e promover as mudanças que já deveriam ter acontecido há anos.

Eu tenho que repetidamente me obrigar a correr o risco, porque não existe lugar seguro enquanto nos movimentamos. Eu não consigo chegar na distância que eu quero de muletas ou nas costas de ninguém. Não quero desenhar sempre as mesmas coisas, as fáceis, que meu olho já decorou. Eu quero descobrir o que eu sou capaz de fazer quando me desafio.

Eu não tinha percebido até agora, mas quando eu me jogava do abismo, era fácil. Porque eu já sabia o que ia acontecer e era o que sempre acontecia. Agora vou na direção contrária.

8.4.13

Doubt Jar

Eu não consigo decidir se as coisas que acontecem comigo são boas ou ruins e eu sei que parece maluquice. Talvez seja mesmo. Mas é por isso que não consegui levar pra frente o projeto de encher um pote de vidro - daqueles de geleia - de papéis escritos com coisas boas que acontecem comigo para no final do ano abrir e finalmente pensar que: 


"até que o ano não foi tão ruim assim..."
Quando eu faço amizade com alguém, por exemplo, penso: "isso foi legal!" mas depois de alguns dias eu começo a duvidar intensamente. Porque as coisas mudam tanto, sabe. E eu já não consigo acreditar que as coisas boas da minha vida não irão, repentinamente, desaparecer ou começar a doer, a pesar dentro de mim. Eu não consigo mais determinar que aquela coisa que aconteceu foi realmente bacana e curtir a felicidade momentânea, me comprometer com esse sentimento, escrever num papel e guardar.

Eu sempre sinto a possibilidade gritante de que talvez no final do ano quando pegar o pote e abrir aquele papel para ler, vou querer rasgar e esquecer. Então desisto.

Era mais fácil encher um pote de dúvidas. 

--
26.3.13

Lapsos

Existem esses lapsos constrangedores na nossa vida que são difíceis de explicar. Intervalos de tempo vazios no curriculum, por exemplo. Como dizer: "eu desisti de tudo" ou "eu não conseguia emprego"?

Como explicar a criação desse blog e com apenas quatro postagens - duas de apenas citações (!) - o abandono total antes mesmo da virada do ano?

Quando 2013 chegou, comecei a me sentir obrigada a dar as caras e surgiram mil assuntos na cabeça para escrever, mas nenhuma maneira possível de falar sobre isso. Nenhuma maneira confortável.

Se os únicos assuntos em mente nos constrangem, nos envergonham e nos abatem -- devemos ficar quietos?

A minha questão era que eles não iriam interessar a ninguém: mas um blog pessoal é para entreter alguém?

Como fazemos para assumir o erro na estúpida ideia de tentar por cima do abismo antes mesmo de levantar da queda?

Assim.
18.11.12

Louise Bourgeois

Arch of Hysteria (1993)
“Meu trabalho inicial é o medo de cair. Depois se tornou a arte de cair. Como cair sem se machucar. Mais tarde é a arte de se manter no ar.”
-- citação da artista, no livro 'Louise Bourgeois – destruição do pai, reconstrução do pai' (Cosac Naify, 2000).

Mais:
Site da Cosac Naify
Blog Viva la Vulva
Folha de São Paulo

7.11.12

primeiro cabelo branco


Ando muito velha para:

- brincar de esconde-esconde
- sofrer por amor
- acreditar em coisas que não existem
- dar tudo o que eu tenho sem pedirem
- mendigar humilhada qualquer coisa em troca
- chorar a lágrima dos outros
- ter vergonha de sorrir em público
- paralizar de medo
- desistir do pouco que eu quero
- ter fé que, um dia, eles serão gratos


p.s.: repete sete vezes "it's so easy to laugh, it's so easy to hate, it takes guts to be gentle and kind".
29.10.12

Dar-lhes a volta.

"Eu ia muito a ópera no São Carlos, no teatro de ópera de  Lisboa. E eu ia sempre para o galinheiro, para a parte de cima, de onde via uma coroa. O camarote real começava lá embaixo, ia até em cima e fechava com uma coroa dourada enorme. Coroa essa que vista do lado da platéia, dos camarotes era magnífica. Mas do lado em que nós estávamos não era, pois a coroa só estava feita entre as quartas partes e dentro era oca e tinha teias de aranha e tinha pó. Isso foi uma lição que eu nunca esqueci.

Nunca esqueci essa lição: Para conhecer as coisas há que dar-lhes a volta, dar-lhes a volta toda."

-- José Saramago, no documentário Janela da Alma dos diretores João Jardim e Walter Carvalho.
25.9.12

Nunca deixo de amar ninguém.

Ainda que eu morra de raiva quando a pessoa diz coisas estúpidas. Ainda que morra de vergonha com o que ela se tornou. Ainda que morra de pena que eu não possa fazer nada. Ainda que morra de remorso por não ter tentado mais, ou morra de saudade do que não aconteceu.

Eu nunca deixo de amar as pessoas que eu comecei a amar. Só não consigo mais lidar com o que somos e vou embora. Eu prefiro deixar as coisas inacabadas e os assuntos pendentes. Prefiro varrer o que sobrou para um canto em que eu finjo que não vejo. Um dia vem um vento e tudo aparece de novo. Eu nunca tenho certeza de nada.

Eu vivo morrendo por qualquer coisa. Eu vejo todos os lados da questão e esqueço qual o meu. Eu sinto demais e sinto muito. Eu parei de pedir desculpas pelo o que eu sou. Eu sempre quebro as pontas dos lápis quando escrevo. Eu coloco muita força no que eu digo. É por isso que eu causo cicatrizes com o que eu falo.

Eu acho que o meu sofrimento é bonito, mas cansa. Eu não tenho pudor de chorar em público. Eu mesma me humilho, uma vez por ano. Me imponho lições duras e não aprendo. Eu coloco fé em coisas que não tem nome. 

Acho necessário aprender a andar de mãos dadas e caminhar sozinha sem correr. Não tenho responsabilidade nenhuma e toda a culpa do mundo. As coisas que eu faço são muito bem calculadas, mas na hora, acabam saindo no impulso. Me assusto com o que sou capaz de fazer. A lógica, no final, serve apenas para ser desafiada. 

O meu amor é todo errado. Eu sempre me entrego e por isso sempre me perco.


Top